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Surto de microcefalia leva aborto para a pauta do Supremo
01/02/2016 Fonte: Estado de MinasO surto de zika vírus que assola o país, com quase 4 mil casos de microcefalia suspeitos notificados, inclusive em Minas Gerais, reacende as discussões sobre o aborto. Um grupo liderado pela antropóloga Debora Diniz, do Instituto de Bioética Anis, de Brasília (DF), prepara uma ação pleiteando a autorização do Supremo Tribunal Federal (STF) para a interrupção da gravidez nos casos de bebês diagnosticados com a doença transmitida pelo Aedes aegypti. A expectativa é que a ação seja concluída e apresentada em até dois meses à corte. “Vivemos uma epidemia e foi feito muito pouco. O ministro da Saúde tem dito que ‘perdemos a guerra contra o mosquito’, mas não podemos aceitar. Essa responsabilidade não é das mulheres”, afirma a antropóloga.
Principal articuladora da ação que conseguiu legalizar o aborto de fetos anencéfalos (sem cérebro), aprovado em 2012, Debora diz que a ação vai além das questões que envolvem a interrupção da gestação. Segundo ela, a discussão é focada também na garantia de direitos das mulheres e na saúde. “Pedimos um enfrentamento verdadeiro do mosquito, uma política de saúde sexual e reprodutiva ampla e com acesso a métodos contraceptivos, diagnóstico rápido da microcefalia e também o direito ao aborto”, disse.
Diniz endurece quanto à responsabilidade do governo sobre a epidemia. “Há uma negligência do Estado no combate ao mosquito. Se as mulheres vivem esse momento, é por conta da má gestão, de uma política de reparação de danos fraca e de direitos violados”, afirmou. A advogada e diretora jurídica da Associação Artemis, organização não governamental sem fins lucrativos empenhada na luta pela defesa da vida e contra a violência à mulher Ana Lúcia Keunecke lembra que “dar à luz um bebê com microcefalia não é numa situação provocada pela mãe; na verdade, mostra a incompetência do Estado em não fazer obras de saneamento básico”.
A antropóloga diz que as principais atingidas são mulheres pobres e que a oferta de um salário mínimo para a manutenção das vidas das crianças com microcefalia não é suficiente no enfrentamento da epidemia. A medida que deve ser anunciada pelo governo federal nos próximos dias concederá o benefício desde que crianças com a malformação pertençam a famílias com renda mensal de até R$ 220. O Benefício de Proteção Continuada (BPC), instituído pela Constituição de 1998, garante um salário a idosos com mais de 65 anos e pessoas com deficiência que não tenham meios para se sustentar e nem possam ser sustentados pela família, independentemente de idade.
AGILIDADE
Diante de vários desafios, como as questões religiosas e morais levantadas por grupos organizados e pela Igreja, Debora lembra também a lentidão do processo e as dificuldades judiciais e burocráticas, enfrentadas durante a ação que culminou na autorização da interrupção da gravidez de fetos anencéfalos. O pedido de avaliação pela Anis foi encaminhado para o STF em 2004 e aceito pelos ministros em 2012. Dessa vez, entretanto, a expectativa é de que as respostas sejam mais rápidas. “Nós estamos vivendo um estado de urgência no sentimento das mulheres, na saúde e nos cuidados com as crianças. Espero que, ao receber essa ação, a corte a trate com urgência.”
Favorável à interrupção da gravidez em casos de microcefalia, a advogada Maria Berenice Dias, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito da Família (Ibdfam), lembra as restrições nas leis de aborto e reforça que as condições e limitações enfrentadas pelas crianças, ainda desconhecidas, devem ser consideradas nas análises dos pedidos de aborto pelos juízes. “São crianças que terão necessidades muito especiais e caras e não há garantia de que isso será subsidiado pelo governo, por exemplo”, diz. Hoje, na prática, segundo ela, para conseguir fazer a interrupção da gravidez, é preciso que as grávidas façam um requerimento à Justiça.